domingo, 14 de outubro de 2012

     Que vizinhos deveras festeiros! Quanto ruído! Gostaria de estar a estudar música, mas então tive uma ideia: tentar entender minha caligrafia de manuscritos antigos e passá-los para a máquina.

     Eu devo ter falado algum dia que estou a compilar meus escritos e a produzir mais deles para que no próximo ano consiga publicá-los. Eu sonho!
     Esse sonho começou quando minha professora de língua portuguesa disse que eu poderia ser o membro mais novo da Academia Cabense de Letras.

     De fato, divirto-me com títulos como "A História de Vêz" ou "Prólogo Soliloquial dum Educando Individual de Filosofia".

     Agora, encontrei algo. O nome do escrito é "Círculo: Título Realmente sem Título". Ele é uma daquelas coisas que se encontra em estupefação e descrença pelo que se vê. Indago-me: realmente escrevi isto? Céus! Eu tinha 14 anos quando o escrevi e estava no intervalo da escola. Falo um pouco da minha sexualidade no final, eu estava em conflito comigo mesmo. Foram bons tempos de grandes descobertas. Leiam-no:

Estou e não estou. Sub-existo, assim como meu espaço, que meu nada é. Tudo e nada importa numa lógica ilógica que, sobretudo, sempre é lógica. Mas a nossa lógica ocular não é capaz de entender. O quê? Sei lá! Minha escrita é inconsciente. Sei que sub-existo neste círculo, vácuo, espaço tão cheio, mas tão inóspito e..., digamos..., qual a palavra mesmo? Ah, "circuloso". Mas voltando ao assunto, vocês, celuloses, provavelmente observaram a minha distração de espírito. O que é espírito? Falo espírito de espírito mesmo e não espírito. Pare Inquisitividade! Desejo voltar ao assunto e ponto, mas não este ponto, esse.
      Agora é o verbo ser, pois a minha distração de espírito cansou-me — insisto —, Pare! O que eles pensarão? Bom, mas voltando ao assunto celulose. O que eu sou? Para resumir? Tudo bem. Estou no intervalo e quero aproveitar este breve espaço de tempo para ler. Mas quem quer saber, não é mesmo? Ah, quem me dera se ela soubesse: loucura consumível alheia. Ah, se elas soubessem, ou melhor, se eles soubessem que eu sou essa Sinfonia de Marcianos do Absoluto de Nada.

     

Mudança

     Foram nove anos. A mesma casa, as mesmas paredes. Tudo tão futurista, porém de cariz neoclássica. Os dramas, as felicidades, as lágrimas evaporadas naquele ambiente tão microscópico e quadricular como um caixa. Tudo isso que fora citado vem na mente dele como um sussurro já ecoado e morto pelos ares.

     Em meio ao caos ele escreve. Livros empoeirados sobre a mesa do computador e livros descolados de seus originais lugares como a sua memória ressuscitada de um deus egípcio tão empoeirado pela modernidade quanto seus livros.

     Ele deseja mesmo é estar dentro de uma das caixas e ser extraviado a algures — mas eu estou cá a escrever-vos.

     Um pesar. Um conflito. A vontade é de vociferar por silêncio. Mas eis que vem-lhe a ideia do paradoxo dessa atitude. Ele está perdido, e sem chances de encontro consigo mesmo. Por onde ele vá, está perdido. Ao menos quando ele está só, pois nesse momento ele se encontra como num choque — A vontade que sinto é de gritar por silêncio. É um paradoxo, eu sei. Por isso não o faço. Estou perdido. Estou nalgum lugar desse planeta. E que desastre será se eu não estiver nesse planeta. Essa última  ideia de modo algum pode ser fato consumado, pois eu tenho certeza que encontro-me comigo mesmo quando estou só —.

      Ele vai, mas não sorridente. Até faz sorrir, por educação  — porém, sinto-me deixando algo perdido dentro das paredes marcadas pelo silêncio e pelo grito do olhar da alma —.

     Um amor. Uma esperança. Um futuro. Feliz aqueles que aproveitam o instante, e que, portanto, tem a vivacidade de um rio.

     Não é só cólera. É melancolia o que ele "sinto". Distância de si...
  
     Agora ele percebe que está a abandonar uma nação que nunca fora sua, que nunca tornou-se parte integrante de seu ser, que nunca encarnou nele sem nunca pedir permissão ao encarnado; agora, só depois de nove anos — ou seria " só depois de dezesseis anos, já que, talvez, eu teria consciência de ser um sem-teto, um sem-casa, desde a tenra idade —. Quiçá, encontre a minha casa quando o Sol acabar, finalmente, com esse planeta, quando os meus últimos átomos espalhados pelos jardins, pelos solos e pelos outros animais do ecossistema sejam calcinados pela estrela que esquentou-me e movimentou a coisa que chamo de "eu". Encontrar-me-ei quando o "quando" se tornar, enfim, "quando passado".

— Foram dezesseis anos. Porém, só agora ele percebe que está a abandonar uma nação que lhe exilou. Sério, ainda bem que eu amo. Ainda bem que estou perdido e só, pois, de outro modo, não amaria. — Digo para mim mesmo pensando: " Foram nove anos... por isso eu escrevo"

P.S.: O blogue é todo piegas, mas esse foi o poste mais íntimo escrito por mim.